Por Liana Cutrim, colunista VemTambém na França
Emily in Paris, a série mais comentada no momento, que tem dividido opiniões e, agradando ou desagradando, uma coisa é certa: ela é cheia de clichês e, algumas situações não condizem com a realidade dos franceses.
A cidade escolhida como cenário é Paris. Ah, Paris, que fica ainda mais linda no verão, quando as pessoas andam mais alegres e desinibidas pelas ruas, quando os famosos terraços dos restaurantes estão lotados e as margens do Sena estão repletas de pessoas de todas as idades querendo aproveitar ao máximo os dias ensolarados. Cenários e cenas reais reais, vistos todos os anos por aqui, porém, situações cotidianas clichês e, muitas vezes, bem fora da realidade dos parisienses. Umas das primeiras já nos mostra duas coisas praticamente impossíveis de acontecer por aqui.
Vou falar de uma delas e a outra deixo para o final porque, pelo que tenho visto, é o assunto que mais tem interessado o público da série, principalmente o feminino.
Logo que a Emily chega ao apartamento onde vai ficar em Paris, que seria um chambre de bonne, ou quarto de empregado, podemos ver um espaço até amplo para os padrões de Paris (sim, os apartamentos aqui geralmente são pequenos). Na verdade, Emily se instala num andar abaixo de onde ficam localizados os chambres de bonne, que são minúsculos e, muitas vezes, não possuem banheiro. O banheiro as vezes se encontra no corredor do andar e serve para todos os studettes, como também são chamados aqui. Os que têm banheiro, ou pelo menos uma ducha, foram adaptados. Como a cidade é muito antiga, os prédios também são e há muitos anos não havia banheiros nas casas. Como os espaços são muito pequenos, o banheiro era adaptado nos corredores. Então, quem quiser vir à Paris um dia e alugar um desses quartos, que são sempre mais baratos que studios, pode se decepcionar achando que terá espaço como a Emily.
Eu costumo falar aos meus amigos brasileiros que aqui temos três palavrinhas mágicas: bonjour, s’il vous plaît e merci (bom dia, que é usada até o final da tarde, por favor e obrigado). A Emily faz uma postagem no story quando ela sai da padaria, onde ela fala que “um simples ‘bonjour’ nos leva longe”, e é a mais pura verdade. Aqui o ‘bonjour’ é a primeira coisa que devemos falar quando chegamos à algum lugar ou encontramos alguém com quem não temos muita intimidade (em casos de pessoas íntimas podemos usar o ‘salut’ ou o ‘ça va’). O ‘s’il vous plaît’ e o ‘merci’ também são palavras obrigatórias no dia a dia, inclusive com amigos e familiares. Chegar em algum lugar e não dar ‘bom dia’, não pedir ‘por favor’ e não falar ‘obrigado’, é considerado extrema falta de educação (deveria ser no mundo todo), e pode fazer com que o atendente seja ríspido e bem antipático com você.
A cena da modelo desfilando nua pela ponte Alexandre III é outra cena que não costuma acontecer por aqui, pois é proibido andar nu pelas ruas e até mesmo sem camisa. Sim! Aqui homens não podem andar nas ruas sem camisa, é proibido. Nem os famosos modelos da marca americana Abercrombie & Fitch podiam ficar sem camisa na porta da loja, instalada na Champs Élysées.
Sim, pode-se fazer topless nas praias francesas, mas não nas ruas; e existem lugares específicos pra quem é adepto da prática, como jardins e até restaurantes, mas a lei não permite uma campanha, como a da série, ser gravada em plena luz do dia na rua.
Sim, os franceses lavam a frigideira onde fazem omeletes. Quando falei isso para os meus amigos nativos, eles acharam um absurdo e disseram nunca terem ouvido falar que não se lava a frigideira para garantir o sabor. Nem todo mundo aqui é sujo como as pessoas costumam imaginar. Os meus amigos tomam banho todos os dias, e a casa dos meus sogros é a casa mais limpa e organizada que já vi na vida. E o meu companheiro francês nem bem termina de comer e já corre pra deixar a cozinha impecável, deixando a sobremesa pra depois da limpeza e organização.
Chegar ao trabalho depois das 9h é algo péssimo para a imagem da pessoa. Algumas lojas costumam abrir tarde, mas escritórios e empresas, não. Uma agência de marketing abrir às 10h30 é mais uma cena fake da série.
Em Paris não dá pra usar salto o tempo todo pois as ruas são de pedras e aqui se faz muito trajeto andando. E as francesas, mesmo as que trabalham com moda, não andam sempre impecáveis e chiquérrimas o tempo todo. Ela pode estar elegante e descolada mesmo sem estar o tempo todo de salto e vestido. Aqui elas prezam pelo conforto. Acho, inclusive, que os homens se vestem até melhor que as mulheres.
Camille, a amiga francesa, não está jogando o namorado pra cima da Emily. Aqui é normal amizade entre homem e mulher sem segundas intenções. Inclusive, um dos meus melhores amigos aqui é hétero e bonitão. As pessoas aqui, geralmente, confiam mais nas outras do que em outras partes do mundo. Não são tão desconfiados e não veem com maldade amizade entre sexos opostos. Mas, de fato, acho que a Camille exagera um pouco. E outra coisa que não é tão comum é a amizade com um francês começar tão rápido e do nada. Eles são meio fechados, formais, e precisam realmente confiar e gostar da pessoa pra deixar com que ela faça parte da sua vida. Mas quando isso acontece, são amigos de verdade.
Algo que não é falso na série é a questão do atendimento dos garçons. Não só garçons, mas prestadores de serviços em geral, como taxistas e vendedores de lojas. Eles não são tão gentis como no Brasil e em outros lugares do mundo. Podendo, às vezes, serem bem mal educados. Inclusive, quando o cliente não usa as três palavrinhas mágicas que mencionei lá em cima, ou quando, simplesmente, o cliente não se comporta ‘à la française’ nos estabelecimentos. Sim, alguns detalhes devem ser observados se não quisermos parecer mal educados, como olhar nos olhos do garçom quando falar com ele, esperar ser atendido na entrada do restaurante e não ir logo escolhendo uma mesa e sentando, e estar pronto pra fazer o pedido quando o garçom retornar à mesa ou então pedir mais uns minutos, mas nunca, jamais, ficar enrolando e fazendo-o esperar. E eles não aceitam ser tratados mal pelo cliente, como já vi acontecer muitas vezes em vários lugares do mundo, pois não se sentem em uma posição desprivilegiada em relação à estes. Já vi muitos garçons expulsarem clientes mal educados de restaurantes.
E por último, mas não menos interessante, chegou a vez de falarmos dos homens franceses da série.
Em uma das primeiras cenas, quando o funcionário da imobiliária que recebe a protagonista no apartamento, a convida para beber um vinho e toca no ombro dela. Um francês até a poderia chamar pra beber algo, mas de uma forma muito, mas muito mais discreta. Mas, tocar uma pessoa que não se conhece, é quase que impossível aqui. Isso, realmente, não acontece. Ainda mais por parte de um prestador de serviço. Aqui ninguém fala tocando em ninguém. É considerado falta de educação e os franceses, mesmo se estiverem com segundas intenções, não costumam avançar o sinal assim tão rápido.
A mesma coisa posso falar em relação ao rapaz que a beijou perto do Sena e logo foi falando das suas partes íntimas e o irmão da Camille que a tocou de forma bem mais ousada, antes mesmo de acontecer o primeiro beijo. Isso pode até acontecer, mas se a mulher deixar isso bem claro. Eu nunca soube, nunca passei e nem imagino situações desse tipo. Franceses são formais até na hora da paquera. Eles demoram conversando, demoram pra beijar, são mais respeitosos, esperam sempre o sinal verde para avançarem. Ano passado estive no Brasil com dois amigos de Paris e os dois ficaram horrorizados com a forma com que os homens chegavam nas mulheres nas festas. O que vejo aqui são histórias de homens assustados com mulheres muito ousadas.
A traição também não é normal como costumamos pensar dos franceses. Quando eu cheguei aqui achei que eles fossem super liberais, infiéis e até mesmo um pouco promíscuos, e hoje vejo que a minha visão estava errada. É claro que aqui também existe infidelidade, mas a coisa não é vista de forma tão normal como achamos. Aqui, ninguém se vangloria por estar traindo, ao contrário. Os amigos ouvem as histórias mas não costumam aplaudir, como acontece muitas vezes em outras culturas. Eu já vi amigos sentirem um leve interesse por outras pessoas e terminarem o relacionamento porque não acharam isso certo e preferem acabar com a relação à trair. E a frase que a Emily falou pra Mindy, sempre costumo ouvir dos meus amigos franceses: “do que adianta estar em uma relação se é pra trair?”.
Acho que o Darren Star estava meio irritado com os parisienses quando escreveu a série, mas conseguiu mostrar, de qualquer forma, uma Paris com cenários lindos e dias ensolarados, o que despertou saudades em quem já conhece a cidade; e aos que não conhecem, o desejo forte de conhecer.