Cada país tem seu ídolo no esporte. Aqueles que mesmo com o tempo, as pessoas não deixam de se orgulhar por terem representado tão bem seu lugar. Esse é o caso de Mitu Monteiro. O mais famoso kitesurfista de Cabo Verde ganhou o Mundial de Kitesurf em 2008 e, de lá para cá, é inspiração para muitos jovens e referência para inúmeros profissionais que vem à Ilha do Sal para treinar com Mitu em sua escola de esportes náuticos.
O esportista iniciou-se ainda criança no windsurf com um mastro de vela feita de bambu. Ele relembra que, “quando molhava, o bambu quebrava e tinha de voltar nadando”. O menino que começou a carreira dessa forma, mostrou persistência e obteve seu principal título já aos 25 anos de idade.
Mitu já velejou de Fortaleza aos Lençóis Maranhenses – percorrendo pelo mar o trajeto da Rota das Emoções – mas, seu principal feito é ter, em 20 dias velejando, passado por todas as 10 ilhas do Arquipélago de Cabo Verde num projeto de iniciativa de uma empresa francesa, que deu origem ao documentário “Cabo Verde Crossing”.
Para o atleta, “a experiência foi quase a mesma emoção que tive quando ganhei o título. Depois de certo tempo a gente perde a motivação na competição, e esse projeto renovou meu gosto pelo esporte. A distância entre ilhas mais longa foi Sal e Santo Antão, 230km percorridos em oito horas de atividade. Quando cheguei na praia, os pescadores não acreditavam que tinha feito o trajeto pois, de barco normal, é cerca de 24 horas”, conta.
“Depois, quando cheguei às outras ilhas as pessoas já esperavam, pediam para tirar foto… Um barco me acompanhava dando suporte com comida e água. A ideia, quando aceitei esse desafio, era promover todas as ilhas. Mas confesso que quase no fim quis desistir pois foi muito sofrimento com sol, pouco vento, linhas presas… Mas as pessoas que sabia que estavam à minha espera motivaram dar continuidade ao trajeto. Com essa experiência revivi o que senti quando ganhei o título.
Mitu considera seu país como o melhor lugar do mundo para a prática dos esportes náuticos. Não por ser sua casa, mas por acreditar que Cabo Verde tem excelentes condições climáticas para as atividades, como bom vento e sol quase o ano todo. O filho de Mitu Monteiro, Michael, aos seis anos já mostra interesse pela prática que consagrou o pai. Quem sabe não será o próximo campeão cabo-verdiano?! Abaixo, a entrevista que a VemTambém, em sua passagem por Cabo Verde, realizou com o esportista. Confira!
Mitu, de onde saiu o gosto pela prática do kitesurf e quando você começou a praticar profissionalmente?
Comecei com bodyboarding aos sete anos. Depois com o surf com nove anos e, aos 12, comecei a fazer windsurf. Há aproximadamente 17 anos comecei a fazer kite. Em 2003, já com 20 anos, participei de uma competição internacional na Ilha do Sal e fiquei em 5º lugar. E essa primeira competição já foi uma excelente experiência. As pessoas começaram a incentivar que seguisse nessa atividade. Em 2008, foi a primeira vez que fiz o circuito completo do campeonato mundial, pois antes era complicado viajar por falta de patrocínio, dificuldades com visto… Já em 2008, quando me destaquei já na primeira etapa, meu patrocinador assumiu todos os gastos. E na final, alcancei o primeiro lugar e me consagrei campeão do mundo. Depois que voltei ao Sal, toda a população estava a minha espera e nem consegui por os pés no chão e já fui jogado para o alto. Eu não imaginava que o fato de ter ganhado o título fosse mexer tanto assim com a população. Toda a gente estava feliz porque era o primeiro campeão mundial do país e da Ilha. A emoção foi grande. Melhor ainda foi que as portas se abriram para mim e vários outros jovens começaram a sonhar. Eles começaram a acreditar que era possível. Depois de mim, a ilha teve outros dois campeões mundiais de kite. É ótimo ouvir alguém dizer “ah, um dia quero ser campeão do mundo como Mitu” e conseguir alcançar os objetivos também.
Depois de 2008, você voltou a competir?
Voltei. Sempre fiz a competição. Em 2009 faltei uma prova e não consegui pontuação satisfatória. De lá para cá, conquistei três vice-campeonatos. Em 2017, na última competição fiquei em 5º lugar. E toda a minha trajetória é em campeonatos mundiais.
Você acha que Cabo Verde tem um futuro promissor nesse esporte?
Tem muito. Só na Ilha já temos quatro campeões, três de kite e um de windsurf. Aqui tem um potencial incrível. Em cinco minutos, enquanto se atravessa de um lado para o outro, se encontram todas as condições necessárias para atividades náuticas em um pequeno espaço. Mesmo para treinar é perfeito. Em um lado parece Havaí, do outro Brasil, em outro ponto Maurícia… Então, pra treinar é muito legal. Aqui tem um potencial incrível. O “ginásio” já está pronto e os jovens têm muito talento e aprendem muito rápido. É só mostrar algo e já estão fazendo. E aqui em Cabo Verde, digamos que é berço de uma nova modalidade, o strapless kitesurfing, em que se usa uma prancha de surf sem alça para fazer kite. Vários esportistas mundiais vem até aqui para treinar conosco pois o nível mais alto está aqui em Cabo Verde.
Nesses dias em que estávamos aqui em passeios, vimos muitas pessoas praticando. O que você acha que atrai as pessoas para a prática do kite em Cabo Verde?
O clima. Não é frio, não é quente. A água cristalina. Temos boas condições meteorológicas. Temos bons ventos, boas ondas. Não há muita profundidade. O lugar que reúne o maior número de praticantes é onde tenho a minha escola, em Kite Beach, na Costa da Fragada. Quem é mais profissional se aventura nas ondas, quem quer aprender, fica mais dentro da baía. Aqui não é muito longe da Europa, daqui a Portugal são três horas e meia; e nem do Brasil, cerca de três horas e meia também. Aqui é um ponto estratégico. Quando na Europa está frio, os Europeus vêm aqui praticar. Eles normalmente são os mais interessados na prática. 90% dos que chegam aqui para fazer kitesurf são europeus. A região virou ponto turístico também. Muita gente que nem pratica o esporte, vai só para ver as velas no ar.
Você já foi ao Brasil para praticar kitesurf? Qual o melhor lugar do país para o esporte?
Na primeira vez que tive no Brasil foi em Cumbuco. Lá fui realizar uma competição e gostei bastante. Até que tive a oportunidade de ir a Jericoacoara e já fiquei apaixonado. No Preá o vento não para e a água é quente. Este ano já vou lá treinar outra vez no mês de agosto, quando aqui não tem vento. E desta vez vou levar a família.
Hoje, além de esportista, você também forma pessoas. Como foi a criação da escola e como você atua hoje?
Conheci meu sócio há 16 anos quando trabalhávamos numa escola de windsurfe como assistentes. Depois decidimos trabalhar por conta própria. Começamos com quatro velas na praia e o que ganhamos investimos outra vez no kite. Agora já temos duas escolas, centenas de materiais de kite, empregamos cerca de 30 pessoas em duas escolas na Ilha do Sal. Junto à escola temos bar e restaurante e espaço para crianças, então, atendemos toda a família.
Para quem nunca pegou nos equipamentos, quanto tempo é necessário para aprender?
Temos cursos para principiantes que começam com duas horas na praia, uma pipa pequena e um instrutor. Depois, quando a pessoa já tem segurança, começa sozinha no mar com prancha. Cerca de 10 horas de prática já são suficientes para que a pessoa se sinta segura e possa se sentir confiante. Atendemos desde os que não sabem até os mais experientes.
Passamos alguns dias conhecendo a ilha e gostaria de saber de você, independente do kite, qual ponto da ilha não se pode deixar de conhecer.
Eu acho que, em Cabo Verde, deves conhecer todas as 10 ilhas. Cada uma delas oferece algo de diferente. Aqui no Sal é mais sol e mar, praia com areia branca e água cristalina e, para esportes náuticos, é muito bom. Se vais a Santo Antão é muito verde e dá a impressão de estar no Taiti, lá é a pérola de Cabo Verde, o lugar No Stress para relaxar. Na ilha do fogo há o vulcão. Então posso conciliar. Em São Vicente já muita cultura, especialmente de música. Se gostas de história e queres sentir mais da África, basta ir a Santiago. Temos várias escolhas, depende do que estais a procurar. Aconselho a ver todas!
Texto: Gustavo FreitasFotos: Thiago Brito / Reprodução